A VOZ DA INFÂNCIA

JORNAL "A VOZ DA INFÂNCIA"



Capa da edição que homenageia o escritor Monteiro Lobato após sua morte.


O jornal “A Voz da Infância” foi criado por crianças em julho de 1936 na Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato (na época, Biblioteca Infantil Municipal), apenas três meses após sua instalação.

Segundo Azilde Andreotti, doutora em sociologia e atualmente funcionária da Biblioteca, o objetivo inicial do jornal foi de manter as crianças e os jovens no espaço da Biblioteca. Com o tempo, outros objetivos apareceram; um projeto educacional foi desenvolvido, com a intenção de promover o exercício da escrita, da leitura e da comunicação.

Era um jornal mensal e artesanal, e as crianças e os jovens participavam de todas as etapas da produção. Além disso, era mimeografado. Seu conteúdo era constituído por desenhos, poesias, contos e outras expressões artísticas feitas pelas crianças, como se pode ver pelo seguinte trecho retirado pela socióloga Azilde da edição n.34, de abril de 1939:

Um acontecimento importante. Fundou-se um jornalzinho na Biblioteca. ‘A Voz da Infância’. Dirigido e feito por crianças, ele representará algo para a instrução e aperfeiçoamento de todos os freqüentadores. Mimiografado, só traz colaborações de crianças. Desenhos, contos, cartas enigmáticas, composições, poesias, etc”.

O “A Voz” era divulgado em outros jornais da cidade, de outros estados e até de outros países da América Latina com que a Biblioteca mantinha contato. Seu público era principalmente as crianças da Biblioteca e das escolas do bairro. Nesta época, as informações contidas no jornal eram principalmente sobre a Biblioteca: relatos do seu funcionamento e das principais atividades, homenagens a personalidades, visitas recebidas, festas, concursos internos, livros adquiridos, etc. 

Além disso, ele também continha informações sobre São Paulo: as crianças faziam crônicas que descreviam seu cotidiano e, às vezes, reproduziam notícias veiculadas na grande imprensa, como eventos esportivos e acidentes de automóvel.

A leitura e a freqüência na Biblioteca eram incentivadas. Ler é o supremo bem da vida - leiam os bons livros da Biblioteca Infantil e assim passarão horas agradáveis se ilustrando em um ambiente são (A Voz, n.2, jul. 1936 e n.9. fev.1937). Freqüentem com assiduidade a Biblioteca Infantil, aparecia regularmente nos rodapés do jornal.

O “A Voz” trazia em alguns números a coluna Visitas Ilustres, destacando personalidades que visitavam a Biblioteca, como o bispo auxiliar da arquidiocese de São Paulo, e Paulo Duarte, que foi um dos criadores do Departamento de Cultura (A Voz, n.29, nov.1938). O ex-prefeito Prestes Maia também apareceu em algumas edições.

A partir de 1942 o jornal tornou-se mais literário, com textos mais longos e contos em capítulos. Em 1943 foi criada uma página do Grêmio Juvenil de Cultura Monteiro Lobato. Na descrição do Grêmio aponta-se sua finalidade: Uma associação que reúna os freqüentadores da Biblioteca Infantil (A Voz, ago. 1943). Esse Grêmio promovia passeios acompanhados por funcionários da Biblioteca.

Em 1944 e 1945 aparece o Prêmio Napoleão Mendes de Almeida. Premiavam-se em dinheiro os melhores trabalhos literários e desenhos. Antes disso, no número 30, de dezembro de 1938, noticiou-se uma festa de fim de ano na Biblioteca, onde foram premiadas as crianças que maior número de vezes vieram à Biblioteca, as que leram maior número de livros, as que colaboraram em nosso jornalzinho. Premiados também em relação à freqüência no orfeão, e as melhores fichas de leitura (eram disponibilizadas fichas para que os freqüentadores da Biblioteca preenchessem com suas impressões sobre a leitura dos livros). Os prêmios foram distribuídos por Monteiro Lobato e encenada uma peça de sua autoria, O Museu da Emília.

Monteiro Lobato foi matéria de inúmeras edições e concedeu entrevistas, como a que está reproduzida a seguir, que foi feita para o segundo número do jornal:







O autor também doou livros de sua autoria para a Biblioteca. No número 34, de abril de 1939, há uma matéria sobre o início de seu acervo com o título, “Os novos atrativos da Biblioteca”:

Havia dias que não aparecia na Biblioteca. – Vim uma quarta-feira e vi na portaria umas figuras interessantes e exóticas que o Snr. Monteiro Lobato havia mandado. Andei até ajudando a armá-las naquela saleta. [...] Passaram-se mais alguns dias. Torno a voltar hoje à Biblioteca (meu horário escolar não me permite vir nos outros dias, com grande pezar meu) e vejo todas as figuras armadas e espalhadas pelas estantes. – Dona Benta, com seus óculos na ponta do nariz; Emilia vestida com uma roupa de núpcias; Rabicó, o Quindim, enfim toda aquela nossa querida família, e a dirigir, a figura risonha e amiga de Monteiro Lobato. – Agora, pergunto, que novidades encontrarei na próxima quarta-feira? (A Voz, n.34, abr.1939, 13 anos).

As crianças enviavam correspondências para Monteiro Lobato, que apareceram em alguns números do jornal. Além disso, várias cartas delas foram transcritas no “A Voz” após a sua morte, além de homenagens.


Carta que homenageia o escritor, publicada em julho de 1948.


O número 148, de outubro de 1948, traz uma colaboração de Monteiro Lobato especialmente para o jornal, pouco tempo antes de seu falecimento:

"Meus amigos: Aqui estou na salinha de Dna. Lenyra, autografando livros e papéis. E agora recebi uma intimação para escrever um artigo para a “Voz”. Muito bem! Lá vai! – Declaro que li na mão de Acácio grandes coisas. Ele vai ter, quando crescer, três aviões Douglas e uma Fortaleza Voadora. – Vai cair três tombos de três mil metros de altura – mas não quebrará nem a unha do minguinho. Vai casar-se com a Marisa e ter cinco filhos – um deles chamado Antonio Carlos. – Vai ser vice-Presidente da República do Paraguai e abafará três revoluções. Por fim terá uma estátua a cavalo na praça da Sé! A cavalo no cavalo branco de Napoleão. – E no Paraguai vai nomear seu irmão José Alfredo chefe de polícia – ou chefe dos hospitais (esse posto não está bem decidido). E José Alfredo chefe de polícia – ou chefe dos hospitais (esse posto não está bem decidido). E José Alfredo se casará com a Heloisa X-9. – E está pronto o artigo de Monteiro Lobato".

O jornal foi publicado de 1936 até 1948, e depois voltou no período compreendido entre 1952-1956, com várias interrupções. Durante esta fase, ele mudou muito pouco sua forma e conteúdo. Com o tempo, acabaram faltando colaboradores.

Azilde relata que:

“Depois [de 1956], o jornal perdeu sua periodicidade, como também o perfil dos primeiros tempos. Qualquer publicação em que havia a participação dos freqüentadores ou funcionários das bibliotecas infanto-juvenis levou o nome de A Voz da Infância, em uma tentativa de continuar a dar importância a um jornal, que na época de sua criação, chamou a atenção até da grande imprensa local, como comprovam os recortes de jornais arquivados e as correspondências que o mencionam. Mas foram esporádicos e com pouca continuidade”.

Uma dessas tentativas foi feita por Ana Lúcia Brandão e Maria Silvia Manzano, entre 1986 e 1988. Elas eram funcionárias da Biblioteca, que em 1986 fechou para reformas. Neste período, elas trabalhavam em outras bibliotecas e na extinta Coordenadoria de Comunicação e Expressão. Lá, resolveram recomeçar a publicação do jornal, já com moldes diferentes das edições anteriores.

Uma das principais diferenças era que as funcionárias recolhiam materiais de crianças de várias bibliotecas municipais, diferentemente do “A Voz” anteriormente, que era feito apenas por crianças da Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato. Além disso, elas também ministravam oficinas de criação literária em algumas bibliotecas infantojuvenis da cidade – geralmente isso era feito naquelas em que as crianças mais valorizavam o jornal.

Ao selecionar os materiais, elas desconsideravam a questão de erros gramaticais para focar na criação. Alguns dos escritos eram feitos à mão e outros, digitados no mimeógrafo. Às vezes, crianças que não sabiam escrever ditavam as histórias para elas colocarem nos jornais também.

O material era feito com canetinhas pretas para facilitar a organização e impressão, que era em preto e branco. As funcionárias eram as responsáveis pela impressão das edições, e a distribuição destas era feita em todas as bibliotecas infantojuvenis do município.

Nesta fase, raramente havia participação de jovens; quando apareceram alguns, elas acrescentaram um subtítulo ao nome, ficando “A Voz da Infância – e do Jovem Também”.

Quando a Biblioteca reabriu, em 1988, a sede do jornal voltou a ser aqui, embora ele continuasse sendo feito a partir da colaboração de crianças de outras bibliotecas infantojuvenis. Pouco tempo depois disso, ele teve de ser finalizado por questões financeiras.

Segundo a ex-funcionária da Biblioteca Vera Alves, em 1995 o jornal teve uma edição única especial. A diretora da Biblioteca na época queria retomar algumas atividades que existiam anteriormente neste equipamento cultural mas haviam sido extintas; dentre elas, o jornal. A intenção era que ele continuasse a ser publicado, mas isto não ocorreu.




Algumas páginas da Edição de 1995

Em abril de 2006, foi lançado um número em comemoração ao aniversário de 70 anos da Biblioteca, e teve como responsável a então funcionária Vera Alves. Algumas crianças colaboraram com a produção, e tudo foi conversado com elas: o tamanho que seria o jornal, se seria mesmo em papel de jornal ou outro tipo de papel, se seria preto e branco ou colorido, qual seria a fonte da capa, etc. Essa edição foi feita na gráfica e teve uma tiragem de 2000 exemplares com 4 cores em formato tabloide. Para ela, foram entrevistados 2 ex-diretores do jornal "A Voz da Infância" - entre eles, Paulo Vanzolini.



Página de edição de 2006.


A partir dessa edição, as crianças gostaram e quiseram continuar; assim, outra edição saiu em junho e depois houve uma periodicidade, sendo lançada uma edição por mês; o número de crianças colaboradoras também cresceu durante este processo.

Nessa época, houve um total de 15 exemplares, que foram publicados de abril de 2006 à julho de 2007. Depois disso, a funcionária responsável se aposentou, e apesar de haver interesse das crianças em continuar a produzir o jornal, houve a falta de uma orientação definida e contínua. Então, apesar de terem havido tentativas, não foi possível publicá-lo e ele foi extinto mais uma vez... Pelo menos até agora.


Texto feito a partir da tese de doutorado elaborada por Azilde Lina Andreotti: “A Formação de uma Geração: A Educação para a Promoção Social e o Progresso do País no Jornal A Voz da Infância da Biblioteca Infantil Municipal de São Paulo (1936-1950)” – inclusive com trechos escritos pela própria Azilde.
A funcionária Ana Lúcia Brandão cedeu informações sobre o jornal no período em que
o comandou (1986-1988).
Vera Alves, ex-funcionária da Biblioteca, também colaborou.

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